
Os transtornos psiquiátricos como depressão, abuso e dependência de álcool, drogas e tabaco entre outros, são mais frequentes nas pessoas vivendo com HIV/aids (PVHAs), comparadas à população em geral. Muitas vezes, os portadores de HIV já apresentavam algum tipo de alteração patológica prévia à infecção, como transtorno de humor, esquizofrenia ou abuso/ dependência de álcool ou outras drogas. Estas condições potencializam a vulnerabilidade à exposição ao vírus. Por outro lado, a descoberta do diagnóstico pode ter forte impacto psicológico e, eventualmente, desencadear recidivas ou mesmo surgimento de transtornos mentais, conforme propensão anterior do paciente. O diagnóstico pode levar o paciente a vivenciar o medo da morte e outros temores, que podem levar ao isolamento social e à depressão. Estas alterações na esfera mental podem ter repercussões significativas na evolução da doença de modos diversos. Os sintomas mais comuns são a tristeza reativa ou mesmo franca depressão, no sentido psiquiátrico do termo, o que compromete os recursos do indivíduo frente aos desafios da vida e de como a pessoa organiza sua rede social de apoio. “Não é saudável viver com o diagnóstico solitariamente”, diz Ricardo Martins, psicólogo e coordenador de saúde mental do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids-SP. Qual é o impacto da aids na Saúde Mental? Depressão, ansiedade, distúrbios neurocognitivos e abuso de drogas lícitas e ilícitas são cada vez mais frequentes.
Memória e Alzheimer
Segundo o psiquiatra do Centro de Referência e Treinamento em DST/ Aids de São Paulo (CRT DST/Aids), Luis Pereira Justo, há três tipos de ocorrências psiquiátricas em PVHA: distúrbios de ordem predominantemente cognitivos, transtornos de humor e comorbidade com dependência de álcool e drogas. Justo explica que, até o advento dos ARVs, era comum o surgimento de demência em PVHA, provavelmente devido a prejuízos produzidos pelo HIV no sistema nervoso central. Com os ARVs, houve queda na taxa de demência. Atualmente, observa-se mais transtornos neurocognitivos menores, como a perda de memória, do que no início da epidemia.
Há pesquisadores que apontam para o fato de que amaior longevidade dessas pessoas poderia aumentar suas chances emadquirir doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer. “Resultados preliminares de outros estudos demonstram a presença de alterações anátomo-funcionais, possivelmente relacionadas com a ocorrência de Alzheimer em pessoas mais jovens, mas que conviviam há vários anos com o HIV ou Aids. O fato levantou a hipótese de que as PVHA poderiamtermais propensão a desenvolver essa doença, não exatamente devido à idade,mas ao tempo de evolução da doença”, explica o psiquiatra.
Estão emdiscussão duas possibilidades potenciais na prevenção de doenças neurodegenerativas emPVHA: a utilização de mais categorias de antiretrovirais, para garantir que o medicamento chegue ao sistema nervoso central; e a redução dos fatores de risco, como o controle da hipertensão arterial, a diminuição das taxas de colesterol e glicose, entre outras comorbidades.
Estabilizadores de humor
Justo destaca que estudos em animais apontamque alguns estabilizadores de humor apresentamefeito benéfico na proteção do tecido cerebral, podendo indicar condutas nas quais o uso combinado de ARV e estabilizadores de humor seria uma alternativa para prevenir as doenças neurocognitivas. Mas há ainda que se fazer estudos, com métodos adequados, antes de chegar a um parecer mais definitivo.
Adesão ameaçada
Sobre a prevenção do HIV/aids com essa população, o psiquiatra explica que pessoas com transtornos mentais são mais vulneráveis à infecção pelo HIV. O médico precisaria ter um cuidado maior no que se refere à orientação a pacientes e familiares.
Os transtornos mentais também representam grandes ameaças à adesão. “Os infectologistas devem estar atentos à existência de distúrbios psiquiátricos em seus pacientes, uma vez que estes produzem impacto na adesão. É importante ainda detectar o consumo de álcool e outras drogas, para sensibilizá-los a abandonar seu uso ou propormedidas de redução de danos”, diz Justo.
Rede de referência
Normalmente, estas demandas são acolhidas pelas equipesmultidisciplinares dos Serviços de Assistência Especializada (SAE) em HIV/aids, quando contam com profissionais de saúde mental. Diante da ausência destes, os casos de transtornos mais graves devem ser encaminhados para o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).
O Departamento de DST/Aids do Ministério da Saúde investiu no treinamento das equipes dos CAPS, para a construção de uma rede de referência no serviço de HIV/aids de estados e municípios. Além disso, investiu tambémna atenção às pessoas que vivem com HIV/aids que usam álcool e outras drogas, incorporando a estratégia de Redução de Danos no SAE. Luis Justo observa ainda certo receio de colegas não familiarizados com portadores de HIV/aids no manejo psiquiátrico desta população, em função de interaçõesmedicamentosas. “Essa articulação precisa ser fortalecida, pois é necessário não perder oportunidades de tratar estas pessoas comeficiência”, conclui Justo.
Segundo André Malbergier, professor e médico do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicinada Universidade de São Paulo, os clínicos, em várias pesquisas, mostraram-se pouco habilitados a detectar transtornos psiquiátricos em pacientes com e sem HIV. “Eles precisariam ser mais treinados para tal tarefa, já que não há psiquiatras suficientes para avaliar e tratar todos os pacientes que necessitam”, explica.
Procurar um psicólogo?
Para Ricardo Martins, a procura por um psicólogo não pode ser produto apenas do olhar do infectologista. O próprio paciente deve perceber, e os caminhos devem estar abertos nas instituições. “Os serviços devem oferecer mecanismos em que a pessoa possa refletir sobre sua condição psíquica. Precisamos sair dos modelos de clínica tradicionais”, afirma. As intervenções podem ser individuais (consultas) ou em grupo (discussão em sala de espera, grupo sobre sexualidade, adesão e arte-terapia).

Silmara, parabéns pelos "papos positivos" que vc tem aqui no blog. Sou psiquiatra da Casa da Aids do HC/FMUSP e pesquiso no doutorado justamente a vulnerabilidade de adolescentes e adultos jovens soropositivos aos transtornos psiquiátricos (especialmente uso de álcool/drogas). Nossos adolescentes estão crescendo achando que o hiv é algo do passado! Tenho meu site profissional mas estou criando junto com colegas um serviço comunitário de atendimento a esta população que, infelizmente, aqui na capital nem sempre consegue atendimento às suas necessidades psicossociais. Vejo pacientes morrendo de depressão e não de aids lá no HC! Bjos e força na luta! Aline
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