
Ainda considerada um dos maiores desafios da medicina, a doença hoje é vista como um problema crônico grave e não mais como uma sentença de morte
Em junho de 1981, autoridades de saúde dos Estados Unidos registraram os primeiros casos de uma doença desconhecida, avaliada inicialmente como uma “nova forma de pneumonia”. No início, nada se sabia sobre ela e o desconhecimento levantou muitas hipóteses sobre sua transmissão e características. Junto com o mal misterioso veio o preconceito. Depois de 4 anos de estudo, pesquisadores franceses desvendaram o vírus causador da enfermidade que se tornaria o grande inimigo das últimas décadas: o HIV (sigla em inglês para vírus da imunodeficiência humana), responsável pelo desenvolvimento da aids. No Brasil, desde a descoberta, 593 mil pessoas já manifestaram a doença (é possível ser soropositivo – ter o vírus –, mas não estar doente), segundo registros do Ministério da Saúde. E, apesar de não haver dados atualizados, o número de soropositivos no País ainda é alto. Cerca de 620 mil portadores do vírus HIV vivem atualmente no Brasil, segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU). Destes, acredita-se que 66% não saibam que são soropositivos.
Com o passar dos anos, a aids se alastrou e o vírus se transformou. Três décadas depois, 30 milhões de vidas foram vencidas pela doença, segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas para HIV/Aids (Unaids). O tratamento progrediu, o perfil dos doentes mudou, mas, apesar das boas notícias, a doença continua ativa. Estimativas da Unaids mostram que cerca de 7 mil pessoas são infectadas por dia em todo o mundo. Foi o que aconteceu com o aposentado Celso Soares Mauger, de 59 anos. Soropositivo há 11 anos, ele passou pelas diversas fases da doença. “Cheguei a pesar 38 quilos, mas hoje estou pesando 80, graças ao tratamento”, diz.
Morador de São Vicente, litoral de São Paulo, Celso consumia cocaína e foi infectado ao compartilhar canudos usados para aspirar a droga. Usuários contínuos de cocaína normalmente têm lesões na mucosa interna do nariz, o que facilita a transmissão do vírus. A contaminação do HIV ocorre através do contato sexual sem camisinha, do compartilhamento de agulhas, seringas ou outros objetos cortantes contaminados e da mãe infectada para o bebê durante a gravidez, no parto ou na amamentação. O vírus não é transmitido pelo contato físico (abraço, aperto de mão ou beijo), respiração, tosse, espirro, alimentos, uso coletivo de pratos, talheres, sabonetes e roupas ou por assentos de vasos sanitários.
“Desconfiei que pudesse estar doente quando soube que os conhecidos que usavam drogas comigo estavam com o HIV. Na época, trabalhava num frigorífico e peguei pneumonia, foi então que descobri”, lembra. “Pensei em esconder da minha esposa, mas não consegui. Fiquei muito agressivo porque não entendia como tinha contraído a doença e voltei a usar drogas”, conta. O aposentado, que ficou 5 meses sem tomar os medicamentos contra a aids, destaca que só conseguiu se recuperar quando voltou a fazer o tratamento correto. “Hoje estou muito bem. Ando de moto, nado, levo uma vida normal. Vale muito a pena viver”, diz.
Quando a epidemia começou, no início dos anos 80, a aids era considerada uma doença de homossexuais, depois também foram incluídos no grupo de risco hemofílicos, haitianos, usuários de heroína injetável e prostitutas. A maioria era do sexo masculino.
Atualmente, no Brasil, a proporção até os 23 anos de idade é de dez mulheres infectadas para cada oito homens. Apesar de ainda haver mais casos da doença em homens do que em mulheres, essa diferença vem diminuindo (veja quadro abaixo). Outra mudança preocupante também foi o aumento do número de casos em mulheres com 50 anos ou mais, que dobrou: passou de 5,7 por 100 mil habitantes para 12,3, comparando dados do Ministério da Saúde de 1999 e 2009.
O tratamento de combate à aids é formado pela combinação de um coquetel antirretroviral, desenvolvido e aperfeiçoado nos anos 90. Segundo o ativista Beto Volpi, que vive com o HIV há 22 anos, a evolução desses medicamentos trouxe uma mudança radical na vida dos soropositivos. “Pudemos voltar a fazer planos e o melhor, realizá-los. Todo medicamento, porém, tem efeitos colaterais e os do coquetel podem ser bastante impactantes”, afirma. Entre as implicações negativas do tratamento estão problemas digestivos, perda de gordura nos braços e rosto e acúmulo na barriga, efeitos cardíacos, dores musculares, dor de cabeça e irritação de pele. Antes disso, a assistência medicamentosa era precária e contava com apenas algumas poucas opções de remédios.
No País, o Sistema Único de Saúde (SUS) distribui gratuitamente os medicamentos desde 1992, num dos programas contra a doença que é referência mundial. Mas ainda apresenta falhas. “Manter a continuidade na distribuição é um desafio. Tivemos dois desabastecimentos neste ano. O fornecimento dos medicamentos ainda não é uniforme. Temos problemas principalmente no Norte e Nordeste”, explica Áurea Abadde, criadora do Grupo de Apoio à Prevenção à Aids (Gapa), primeira organização não governamental do País voltada ao atendimento de pessoas com HIV, fundada em 1985.
Apesar de o Governo considerar a epidemia estável no Brasil, a ativista afirma que ainda falta informação, principalmente entre os jovens: “Com os remédios, os soropositivos têm boa aparência e não mais aquela imagem antiga da doença. E os jovens de hoje pensam que a aids é um problema que tem remédio e pronto. Não é assim.”
Por causa do avanço nos tratamentos, os índices do Ministério da Saúde indicam que, ao longo dessas 3 décadas, a média nacional de mortes diminuiu. Hoje ela é de 6,1 por 100 mil habitantes, número considerado estável levando em consideração os registros dos últimos anos – praticamente o mesmo índice desde 1999, quando era de 6,4 por 100 mil habitantes. Só para se ter uma ideia, em 1995, a relação era de 9,7 mortes a cada 100 mil pessoas. Uma pesquisa recente da Universidade de São Paulo mostrou que 40% da mortalidade por aids no País está associada ao diagnóstico tardio, concentrado em residentes das regiões Norte e Nordeste.
Sobrevida
A evolução dos medicamentos antirretrovirais aumentou consideravelmente a sobrevida e melhorou a qualidade do dia a dia dos soropositivos. A maior esperança para controlar a epidemia, no entanto, ainda está no desenvolvimento de uma vacina anti-HIV eficaz. O Centro de Referência e Treinamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids (CRT-DST/Aids) da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo conduz, em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e entidades internacionais, o único estudo no Brasil de duas vacinas experimentais contra o HIV . A pesquisa tem como objetivo estudar o comportamento do vírus e entender como o sistema imunológico das pessoas responde às vacinas. A perspectiva é que a infecção pelo vírus seja controlada e não gere as consequências negativas da aids.
O maior desafio para toda a equipe de pesquisadores da vacina anti-HIV, além da própria tarefa em si, é angariar voluntários dispostos a colaborar com as pesquisas. “Precisamos de 25 participantes no Brasil. Começamos o recrutamento em janeiro e até agora temos apenas quatro. No mundo, serão 100 pessoas ao todo”, afirma a a psicóloga Gabriela Calazans, coordenadora do Núcleo de Educação Comunitária do projeto. Segundo ela, a dificuldade está em encontrar participantes que cumpram todos os critérios obrigatórios para a pesquisa.
Podem se inscrever mulheres e homens entre 18 e 50 anos de idade. Os voluntários passarão por avaliação médica, coleta de amostras de sangue e urina e responderão a questionários sobre práticas de exposição ao vírus. “É importante ressaltar que o HIV não está presente nas vacinas testadas. Elas usam componente sintético, que não apresenta o menor risco de infecção pelo vírus da aids”, afirma o médico Artur Kalichman, coordenador-adjunto do CRT-DST/Aids e responsável pela Unidade de Pesquisa de Vacinas. Para se inscrever como voluntário basta procurar a Unidade de Pesquisa de Vacinas Anti-HIV pelo telefone (11) 5087-9915 ou pelo e-mail vacinas@crt.saude.sp.gov.br .
Talita Boros
talita.boros@folhauniversal.com.br

Nenhum comentário:
Postar um comentário
A sua opinião é importante para mim.